É sempre sobre pessoas
Aquela solução criada pela maior empresa de tecnologia do mundo que apoia pessoas com baixa visão a atravessarem a rua. Não é apenas sobre a tecnologia. É sobre as nossas mães e pais chegarem em casa sem sustos. Para eles e para nós.
Aquele projeto social que promove melhorias de infraestrutura em casas de periferias e favelas Brasil afora. Não é sobre arquitetura. É sobre a Carla, 11 anos, não sofrer com bronquite a cada novo inverno.
Aquela ONG que faz contação de histórias pelos interiores do país. Não é sobre democratizar o acesso ao livro. É sobre o Pedro, 9 anos, ter restaurado o seu direito de imaginar o mundo mesmo morando onde mora. Feito Bacurau, até sumiram do mapa.
No fim, e no fundo, é sempre sobre pessoas. E é importante que nunca nos esqueçamos disso.
Carlos Drummond de Andrade andava melancólico, eu li por aí. Em meio a um pessimismo sobre o futuro do mundo, e um presente de guerras e fomes espalhadas por todo canto, ele pariu A Rosa do Povo, lá na década de 1940.
Foi por lá que encontrei Nosso Tempo, um poema que me ajudou a dar nome para o que andava sentindo. No trecho que mais gosto, diz assim: "São tão fortes as coisas, mas eu não sou as coisas e me revolto". Conta-se, Drummond andava desanimado com a coisificação da vida, isso de o mundo empurrar todas e todos a transformar em coisas: as pessoas, os lugares, as relações, tudo.
Coisificação da vida.
Em busca do melhor apoio financeiro, que não nos motive mais o que cabe na planilha de Excel do que as pessoas que nos levaram a fazer o que estamos fazendo. Que caiba tudo. Que não nos deixe mais orgulhosos os reconhecimentos públicos e palcos que ganhamos, que a certeza de que a solução construída por nós é a melhor que poderia ser imaginada para ausentar aquela dor do mundo. Equilibremos. Que não percamos de vista que ninguém é fim, todo mundo é meio.
Anda cabendo as pessoas no meu discurso? E no seu? Ou nos cinco minutos de conversa com alguém interessada em saber o que eu faço aparece o como, pouco ou nenhuma vez, o com quem, o para quem?
Que a gente não se distraia de algo essencial, eu ando escutando de muita gente: o nosso apaixonamento de tirar o fôlego, feito aquele amor incontrolável de quando estávamos na 5ª série B, é pelas pessoas que nos motivam a fazer o que fazemos. É pelo que acontecerá com elas, com a vida delas, com o sorriso delas, se o que a gente está fazendo estiver realmente recheado de sentido. E for funcional e funcionar.
Essa conversa é sobre os empreendedores e empreendedoras sociais e os nossos projetos. Mas é também sobre o médico do hospital mais avançado que acaba de descobrir como remover um tumor sem deixar sequelas na paciente. Sobre a moça, Giselle o nome dela, que me atendeu com tanto cuidado ontem no mercado, eu voltando tão tarde e cansado para casa. Precisava tanto daquela boa conversa.
É sobre os comentários na internet, às vezes tão cruéis, parece até que não existe pessoa aqui do outro lado para sentir aquelas palavras. Essa conversa é sobre todas e todos nós.
No fim e no fundo, é tudo, o tempo todo, sobre pessoas.
Nós não somos coisas.
Revolte-se.
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