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Tony Marlon

O Amor é AmarElo. E o futuro, também

ECOA

08/11/2019 09h29

Quando Emicida lançou Mãe, em Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, o choro durou quase uma noite inteira. Ele veio cantando a Dona Jacira, e meio mundo de favelas e periferias interpretaram suas próprias Marias e Ritas. É um pouco disso: os nomes são diferentes, mas a vida que passa por essas mulheres caminha uma estrada parecida, a gente sabe. E não romantize isso. O choro que não cessa tem razão aqui: não é só identificação, é pertencimento.

"Uma vida de mal me quer,
não vi fé, profundo
ver o peso do mundo nas costas de uma mulher"
Mãe

Emicida me emociona não pela lonjura do que o mundo chama de gênios, aquilo que sempre escutei de que algumas pessoas nasceram distantes do pisar no chão, diferentes dos humanos normais, que sou eu e você.

Ele me emociona, justamente, por pisar as mesmas ruas que eu. Por entender piadas que só fazem sentido para quem caminhou a vida das margens para o que chamam de centro, nos primeiros ônibus da manhã. Lotados de não mexer nem o sonho de uma vida melhor que aquilo dentro do coração.

Sua música me atravessa porque a sua poesia é tão fácil quanto colocar flores amarelas no cabelo das meninas. E dos meninos também.

Dia desses brotou AmarElo, o seu mais novo trabalho. Em um dos clipes, 3 minutos e 49 segundos de silêncio. Isso, um clipe sobre o silêncio. No país que se orgulha da separação, Emicida misturou num mesmo disco a Fernanda Montenegro, Pablo Vittar e o Zeca Pagodinho, e outras tantas vozes vindas de todos os cantos que se possa imaginar, e não imaginar. Escutei faixa por faixa como uma promessa sincera: a gente ainda vai se reencontrar com nós mesmas. E reconstruir um futuro em que caiba todas e todos nós.

E este futuro será amarelo, feito o amor é também.

"O som das crianças indo pra escola,
convence.
O feijão germina no algodão:
a vida sempre vence"
A Ordem Natural das Coisas

Quem sempre teve a vida, e tudo que a rodeia, contada nos filmes, nas músicas, nos poemas, dificilmente saberá como é parecer nem existir na imaginação pública. Quando muito aparece, é de uma maneira torta, com um punhado de estereótipos. E você, eu, somos maiores que essas ideias pré-concebidas que fazem sobre nós, não somos? Na dúvida, para adiantar a conversa: acredite, nós somos.

Emicida é um dos grandes poetas do nosso tempo. Se você retirar toda a música que acompanha a letra, ainda sobrará história para emocionar todas as casas da Estrada do Campo Limpo. E mais dois puxadinhos ali no canto de Perus, na zona noroeste de São Paulo.

Só quem driblou a morte
na norte, saca:
que nunca foi sorte
sempre foi Exú.
Eminência Parda

Eu não me canso de escutar, sugiro o mesmo. Em tempos de dias, discursos e corações em escala de cinza, colorir o olhar faz bem. Especialmente pelas manhãs, como o próprio Emicida recomendou.

Do fundo do meu coração
Do mais profundo canto em meu interior, ô
Pro mundo em decomposição
Escrevo como quem manda cartas de amor
Cananéia, Iguape e Ilha Comprida

Sobre o Autor

Formado em jornalismo pela Universidade Santo Amaro – UNISA, Tony se reconhece antes como educador, feito todo mundo é. A partir do Campo Limpo, periferia da zona sul de São Paulo, trabalha por uma comunicação que mova positivamente corações, discursos, espaços e relações. Acredita que "Dislexicando" é a coisa mais bonita do mundo e quer o primeiro parágrafo de "O Livro dos Títulos" em sua lápide, lá no futuro. Anda falando por aí: "Não fosse o Sarau do Binho, até hoje eu não saberia que poeta é alguém que solta pipa na laje". É autor do podcast https://paisagemsonora.com

Sobre o Blog

Um espaço para boas e necessárias conversas sobre pessoas e seus movimentos de transformação. E todos são.