Como o 'Esquenta' me fez pensar sobre o Brasil na Virada de Ano
Meio sem querer, que é como a vida acontece quando estamos em descansos como o de fim de ano, eu encontrei uma entrevista que a Regina Casé deu ao Conversa com o Bial, da TV Globo. No programa, que foi ao ar em abril passado, a apresentadora e atriz falou, entre outras coisas, sobre o Esquenta, programa que ela apresentou por cinco temporadas na emissora.
Caso não se lembre, afinal de contas, 2011, estreia do programa, parece que aconteceu há uns trinta anos, o Esquenta era uma grande festa em que várias pessoas, tribos e assuntos se misturavam ao som de muito samba, pagode, forró, uns shows de mágica no meio, papos sobre educação, saúde, descriminalização das drogas, e tudo mais que se possa imaginar. Tudo junto e ao mesmo tempo. O Esquenta era algo como uma laje, com câmeras.
Eu assisti poucas vezes, confesso. O horário, meio tarde de domingo, era pouco convidativo para quem estava começando a juventude e tinha amigos e amigas morando na casa ao lado que amavam futebol . Mas vi, vez ou outra. Mais que acompanhar, eu entendia a proposta do programa, que é a de colocar pessoas comuns para protagonizar a TV.
Para mim, o Esquenta não falava sobre, e com, todas as periferias e favelas do Brasil. Mas, é inegável, o programa construía identificação e pertencimento nas pessoas. E era perceptível que isso funcionava já que, vez ou outra, minhas vizinhas e vizinhos recontavam as histórias que assistiam por lá pelo restante da semana nas conversas de portão e de calçada.
É neste ponto que volto à entrevista da Regina. Em dado momento, Bial pergunta a ela se um dos motivos de o programa ter acabado foi uma mudança de clima pela qual o Brasil passou nos últimos anos, e a apresentadora diz que sim. Que a própria equipe passou a sentir que a atmosfera estava mudando. Que aquele clima de celebração, de festa pelo encontro entre os diferentes, estava dando lugar a algo contrário disso. Daqui em diante, sou eu: que de alguma maneira, a alegria estava saindo de cena, chegavam novos e confusos tempos e sentimentos.
Fiquei o descanso todo pensando essa entrevista.
Eu nem sei se é isso mesmo, eu não sou crítico de TV. Também sei que hoje, olhando em perspectiva, com a cabeça e o coração que tenho agora, me pergunto se este ou aquele era o melhor jeito de apresentar um morador ou moradora de periferia e favela. Meu texto, aqui, não é sobre este lado dessa história. Pessoas mais qualificadas que eu podem fazer essas reflexões.
O que me fez arrastar esse assunto até aqui foi a imagem que brotou da conversa entre Bial e Regina, que tenho a impressão, passou despercebido de uma multidão de nós: um programa de TV conseguiu detectar que estávamos saindo de um tempo de celebração, palavras da Regina, para um período de ódio declarado a qualquer pessoa que seja diferente do que um grupo considera o correto, o padrão. A norma.
E assim, de verdade, eu inclusive acho que nunca tivemos um acolhimento do todo que nós somos. O Brasil sempre foi um país violento. Extremamente violento. A diferença é que, em algum momento nos últimos anos, o ódio passou a se sentir autorizado e legítimo a botar a cara no sol, perdeu o medo de se expor publicamente. E a pergunta que fica para mim é: por quê?
O que foi que aconteceu neste caminho para chegarmos ao ponto que estamos hoje: essa raiva em cada comentário, de cada rede social. Essa vontade de alguns de que outros, não apenas não tenham espaço para existir, mas de que, de fato, seria melhor se nem existissem.
Aos raivosos, odiosos. Aos que se acreditam o centro, a norma, o modelo e o caminho: não tem volta, viu. O palco da existência é direito de todo mundo.
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