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Tony Marlon

O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui

ECOA

11/02/2020 04h00

Lembra da quinta série b na época do colégio? Pensa que você é o menino Luís, e pela primeira vez na vida te chamaram para festa de aniversário do garoto mais popular da escola. E você vai, óbvio que você vai. Você sempre esperou por este dia.

E você é bom de papo, troca altas ideias com a galera da sua rua que você trouxe junto, que tem ainda menos grana que você e tal. Galerinha tipo igual, que antes nem aparecia na festa desse tal garoto popular aí, mas agora foi porque né, você chamou, disse pra confiar e é isso, confiaram em você.

Naquelas né.

Mas você desenrola também muito bem com quem tem mais grana. Tipo o dono da festa, os amigos dele – um bando de muitos outros meninos parecidos. Até os pais dessa turma toda curtem como você conta as histórias, gostam que você seja gente fina, gente boa, tem todo um gingado. Pronto, você foi sendo aceito.

Foi?

E aí, ali pelas 22 horas, começa aquela brincadeira clássica de juntar as cadeiras, botar uma música, e quando ela para todo mundo tem que sentar-se. Lembrou? O dono da festa, óbvio, vai controlar o som, escolher as músicas. Ele é o dono da casa, pode fazer tudo. E para o menino Luis, que é você, está tudo bem, está de boas.

Primeira rodada, menino Luís consegue uma cadeira, senta-se. Venceu. Segunda rodada senta-se também. Venceu. Isso tá parecendo bem fácil. Aí chega a terceira rodada e você consegue, aos 44 do segundo tempo, descolar uma cadeira. Quase! Você ali, vencendo todo mundo. Todos os amigos do dono da festa.

O salão até grita "Luís, Luís" de tão bom que você é nessa brincadeira das cadeiras. Tipo, você vai ficando cada vez mais popular entre os donos da festa. Que moleque bom, divertido, desenrola todas as conversas bem. E ainda manda muito bem na brincadeira das cadeiras. Este cara é bom.

"Ei, Luis, você é dos nossos, amigão", gritam.

Aí a brincadeira está quase acabando, sobrou a última cadeira. É a final. Você e o primo do dono da festa. E aí a música demora uma vida para terminar, demora, demora. Estranho, demorando demais, você pensa. E nunca para. E o menino Luís lá, rodando, rodando, estranhando que a música não acaba de jeito nenhum, mas ali, jogando. Afinal de contas, está entre amigos, não está? Acho que ninguém vai sacanear.

Está?

Não?

E o dono da festa só para a música quando o primo dele está na parte da frente da única cadeira. E vai lá e ganha.

O Menino Luís reclama, diz que foi prejudicado, e todo mundo lá comemorando a vitória do primo do dono da festa. Uns três, quatro, reclamam alto que o menino Luís é chato, mala este daí, não sabe perder democraticamente. É muito de mimimi este Luís, que é você.

E aí você vai falar com os donos da festa, seus amigos até 10 minutos atrás. Não ligam tanto mais para você, parecem não te conhecer. Todo mundo comemorando a vitória do primo do dono da festa. E o menino Luís, que parecia ter tantos amigos, vai percebendo que não é bem assim.

Aí menino Luís fica revoltado, injustiça o que fizeram, entendeu. E meu, ele foi legal com todo mundo, fez um grandioso trabalho de reconciliação dos donos da festa com os amigos dele lá da rua que sempre acharam aquilo tudo uma bela porcaria, e agora estão lá curtindo tudo, de boas, na paz.

E como assim, a galera ainda tem coragem de expulsar justo ele da festa. Ele, cara, garoto sangue bom, mediou as relações tudo ali, tirou o medo de uns dos outros, criou um clima pra todo mundo aproveitar a festinha. Abraçou todo mundo e disse: viu, a casa é grande. Cabe todo mundo.

Corta para o menino Luís já indo embora da festa, quando percebe que a brincadeira voltou a acontecer logo depois que ele saiu, entendeu. E estava todo mundo animadão, festejando. Inclusive uma galera que ele mesmo levou para festa. Tipo, nem sacaram que você, o menino Luís, está indo embora.

O que o menino Luís talvez não tenha entendido, ou achou que talvez fosse pouco importante na hora da animação, é que as pessoas que giram em volta das cadeiras naquela brincadeira vão mudando, mas quem solta a música, quem decide qual música vai tocar, que horas ela vai parar é sempre o dono da festa. O segredo do sucesso está aí.

E se isso não muda, bom, vão mudar com você da brincadeira, né? Para a brincadeira ser justa, para mudar mesmo o jeito de brincar, outras pessoas precisam cuidar do som. A brincadeira sempre vai continuar sendo vencida pelo primo do dono festa enquanto o dono da festa for o responsável por cuidar da música na hora da brincadeira das cadeiras.

Da próxima vez, menino luís, a festa será na nossa rua, com o nosso som, combinado?

PS: o título é emprestado do CD do Emicida. Ouça aqui, é ótimo.

Sobre o Autor

Formado em jornalismo pela Universidade Santo Amaro – UNISA, Tony se reconhece antes como educador, feito todo mundo é. A partir do Campo Limpo, periferia da zona sul de São Paulo, trabalha por uma comunicação que mova positivamente corações, discursos, espaços e relações. Acredita que "Dislexicando" é a coisa mais bonita do mundo e quer o primeiro parágrafo de "O Livro dos Títulos" em sua lápide, lá no futuro. Anda falando por aí: "Não fosse o Sarau do Binho, até hoje eu não saberia que poeta é alguém que solta pipa na laje". É autor do podcast https://paisagemsonora.com

Sobre o Blog

Um espaço para boas e necessárias conversas sobre pessoas e seus movimentos de transformação. E todos são.