Coronavírus: É importante que a gente cultive um pouco o medo
O coronavírus e as "fake news" seguem disputando, minuto a minuto, o título de quem circula mais rápido pelo mundo. Enquanto o vírus fecha as fronteiras, as mentiras parecem fechar mesmo são os ouvidos de um pouco de calma: tudo é acreditável em tempos de desespero.
No Irã, quarenta pessoas morreram por complicações após consumirem muito álcool. Circulou por lá que bebidas criavam resistência contra o vírus. Muita gente acreditou, infelizmente.
Na Itália, especialmente em Veneza, um folheto ganhou as ruas prometendo uma vacina de cura a ser retirada na Suíça por módicos 50 euros. Muita gente acreditou, infelizmente.
Eu sei, nós somos pessoas sabidas demais para cair nessas histórias, e é possível que muita gente já esteja por aí organizando os dedinhos para julgar quem embarcou em notícias assim. É que agora, no conforto do nosso lar, elas parecem tão absurdas que não entendemos como alguém pôde acreditar. Mas, é aquilo: tudo é acreditável em tempos de desespero.
Atenção para mais uma mentira que anda viralizando por aí. Cocaína não mata o coronavírus.
É importante que a gente cultive um pouco o medo, sim, de tudo que anda acontecendo pelo mundo. O medo constrói repertório de cuidado com a gente e com quem está ao nosso redor. Sem medo, nunca teríamos nem saído das cavernas. Com um pouco dele em momentos como agora, talvez a gente entenda que o fato de eu não ser de um grupo de risco não quer dizer que todos ao meu lado também estejam protegidos.
Mas medo é medo, pânico é outra coisa.
A psicóloga Vera Iaconelli explicou no podcast Café da Manhã que pânico já é algo difuso, chega de todos os lados, mistura entre a realidade de fora, objetiva, e tudo que construímos para dentro, interpretações, misturas e medos. Não tem rosto, não tem voz. O medo impulsiona a precaução. O pânico, o desespero.
E um dos grandes remédios para momentos assim é informação segura, sobre para onde estamos andando. E, especialmente, o que podemos fazer para chegarmos lá, seguras. Em tempos de redes sociais e de hiperconexão, ter acesso a informações confiáveis nos ajuda a tomar decisões mais corretas, expondo assim menos pessoas a riscos desnecessários.
E é aí que entram os grandes portais e os seus conteúdos trancados para assinantes.
Fato é que já de algum tempo os tradicionais veículos de comunicação não possuem mais o monopólio de informar como acontecia até alguns anos atrás. Especialmente nos últimos 15 anos, emergiram muitos jornais, revistas e, especialmente, portais na internet com conteúdos muito bons, com qualidade e credibilidade, distribuindo informações relevantes para grupos sociais que nunca tiveram atenção e investimento específicos.
Atenção: nem tudo que está escrito na internet é verdade. A Terra não é plana, por exemplo.
Mas os principais produtores e distribuidores de conteúdo do país ainda tem uma grande relevância e penetração na sociedade. São neles que uma parte considerável das pessoas busca notícias para se manter informada. E a pergunta que fica é: por que muitos destes mesmos veículos ainda mantém os conteúdos sobre o coronavírus fechados apenas para assinantes? Qual é o sentido de não garantir que chegue à maioria das pessoas informações sobre um dos fatos mais importantes dos últimos anos no mundo?
Pouco inteligente. Na pior das hipóteses, abrir conteúdos antes exclusivos, gera mais visitações ao portal, que gera mais audiência, que pode render melhores investimentos em publicidade, ou até mesmo converter novos assinantes que, ao visitarem o site com mais frequência, acabam fidelizados.
Até aqui, estava pensando como negócio, mas não é apenas sobre isso.
É sobre o bom senso, saber ler que o momento diz que uma informação correta significa dezenas de pessoas longe do risco.
O norte americano "New York Times", o português "Público" e o argentino "Clarín", seguidos aqui no Brasil pela Folha de S. Paulo, desativaram seu sistema "paywall". É este dispositivo que faz aparecer aquela informação de que, para continuar lendo, você precisa ser um assinante.
Em momentos como o atual, todas e todos nós precisamos nos responsabilizar com o que pudermos para ajudar a evitar que um vírus como o novo corona ande rapidamente por um mundo tão conectado, na realidade e na virtualidade, como o nosso. Oferecer boas informações de maneira rápida e gratuita, é cumprir sua responsabilidade social e empresarial. Nada é mais importante que apoiar as pessoas a tomarem as melhores decisões quando todas parecem pouco eficientes.
Neste momento, a informação é algo como a água potável em cenários de grandes tragédias naturais: essencial. Se a gente repudia quem aumenta o preço de uma garrafinha para lucrar, deveria questionar também quem não abre seus conteúdos com medo de perder dinheiro.
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