Tony Marlon http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br Um espaço para boas e necessárias conversas sobre pessoas e seus movimentos de transformação. E todos são. Tue, 17 Mar 2020 15:45:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Coronavírus: É importante que a gente cultive um pouco o medo http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/03/17/coronavirus-e-importante-que-a-gente-cultive-um-pouco-o-medo/ http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/03/17/coronavirus-e-importante-que-a-gente-cultive-um-pouco-o-medo/#respond Tue, 17 Mar 2020 07:00:02 +0000 http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/?p=207

O coronavírus e as “fake news” seguem disputando, minuto a minuto, o título de quem circula mais rápido pelo mundo. Enquanto o vírus fecha as fronteiras, as mentiras parecem fechar mesmo são os ouvidos de um pouco de calma: tudo é acreditável em tempos de desespero.

No Irã, quarenta pessoas morreram por complicações após consumirem muito álcool. Circulou por lá que bebidas criavam resistência contra o vírus. Muita gente acreditou, infelizmente.

Na Itália, especialmente em Veneza, um folheto ganhou as ruas prometendo uma vacina de cura a ser retirada na Suíça por módicos 50 euros. Muita gente acreditou, infelizmente.

Eu sei, nós somos pessoas sabidas demais para cair nessas histórias, e é possível que muita gente já esteja por aí organizando os dedinhos para julgar quem embarcou em notícias assim. É que agora, no conforto do nosso lar, elas parecem tão absurdas que não entendemos como alguém pôde acreditar. Mas, é aquilo: tudo é acreditável em tempos de desespero.

Atenção para mais uma mentira que anda viralizando por aí. Cocaína não mata o coronavírus.

É importante que a gente cultive um pouco o medo, sim, de tudo que anda acontecendo pelo mundo. O medo constrói repertório de cuidado com a gente e com quem está ao nosso redor. Sem medo, nunca teríamos nem saído das cavernas. Com um pouco dele em momentos como agora, talvez a gente entenda que o fato de eu não ser de um grupo de risco não quer dizer que todos ao meu lado também estejam protegidos.

Mas medo é medo, pânico é outra coisa.

A psicóloga Vera Iaconelli explicou no podcast Café da Manhã que pânico já é algo difuso, chega de todos os lados, mistura entre a realidade de fora, objetiva, e tudo que construímos para dentro, interpretações, misturas e medos. Não tem rosto, não tem voz. O medo impulsiona a precaução. O pânico, o desespero.

E um dos grandes remédios para momentos assim é informação segura, sobre para onde estamos andando. E, especialmente, o que podemos fazer para chegarmos lá, seguras. Em tempos de redes sociais e de hiperconexão, ter acesso a informações confiáveis nos ajuda a tomar decisões mais corretas, expondo assim menos pessoas a riscos desnecessários.

E é aí que entram os grandes portais e os seus conteúdos trancados para assinantes.

Fato é que já de algum tempo os tradicionais veículos de comunicação não possuem mais o monopólio de informar como acontecia até alguns anos atrás. Especialmente nos últimos 15 anos, emergiram muitos jornais, revistas e, especialmente, portais na internet com conteúdos muito bons, com qualidade e credibilidade, distribuindo informações relevantes para grupos sociais que nunca tiveram atenção e investimento específicos.

Atenção: nem tudo que está escrito na internet é verdade. A Terra não é plana, por exemplo.

Mas os principais produtores e distribuidores de conteúdo do país ainda tem uma grande relevância e penetração na sociedade. São neles que uma parte considerável das pessoas busca notícias para se manter informada. E a pergunta que fica é: por que muitos destes mesmos veículos ainda mantém os conteúdos sobre o coronavírus fechados apenas para assinantes? Qual é o sentido de não garantir que chegue à maioria das pessoas informações sobre um dos fatos mais importantes dos últimos anos no mundo?

Pouco inteligente. Na pior das hipóteses, abrir conteúdos antes exclusivos, gera mais visitações ao portal, que gera mais audiência, que pode render melhores investimentos em publicidade, ou até mesmo converter novos assinantes que, ao visitarem o site com mais frequência, acabam fidelizados.

Até aqui, estava pensando como negócio, mas não é apenas sobre isso.
É sobre o bom senso, saber ler que o momento diz que uma informação correta significa dezenas de pessoas longe do risco.

O norte americano “New York Times”, o português “Público” e o argentino “Clarín”, seguidos aqui no Brasil pela Folha de S. Paulo, desativaram seu sistema “paywall”. É este dispositivo que faz aparecer aquela informação de que, para continuar lendo, você precisa ser um assinante.

Em momentos como o atual, todas e todos nós precisamos nos responsabilizar com o que pudermos para ajudar a evitar que um vírus como o novo corona ande rapidamente por um mundo tão conectado, na realidade e na virtualidade, como o nosso. Oferecer boas informações de maneira rápida e gratuita, é cumprir sua responsabilidade social e empresarial. Nada é mais importante que apoiar as pessoas a tomarem as melhores decisões quando todas parecem pouco eficientes.

Neste momento, a informação é algo como a água potável em cenários de grandes tragédias naturais: essencial. Se a gente repudia quem aumenta o preço de uma garrafinha para lucrar, deveria questionar também quem não abre seus conteúdos com medo de perder dinheiro.

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Parece que é o inimigo quem decide quando ofendeu http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/02/18/em-portugal-ou-no-brasil-parece-que-e-o-inimigo-quem-decide-quando-ofendeu/ http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/02/18/em-portugal-ou-no-brasil-parece-que-e-o-inimigo-quem-decide-quando-ofendeu/#respond Tue, 18 Feb 2020 07:00:06 +0000 http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/?p=190 Pelo Campeonato Português, no último fim de semana, o atacante Marega, do Porto, abandonou o campo após atos racistas vindos de parte da torcida do Vitória de Guimarães, seu ex-clube.

O presidente do Vitória, Miguel Lisboa, cumprindo a máxima do Barão de Itararé de que é de onde menos se espera que não vem nada mesmo, trocou um lugar na história do futebol mundial por uma relativização. Ou passada de pano, chame como quiser.

Na coletiva de imprensa, o presidente disse que não percebeu nenhum insulto racista no estádio. E mais: que enxergou, sim, foi uma atitude provocatória do atacante contra sua torcida. E ainda não acabou: puxou do passado uma certa vez, de um certo dia, de quando Marega ainda era jogador do Vitória e quis abandonar o campo, exatamente como fez no domingo. Naquela vez, explicou o dirigente, nada tinha a ver com racismo.

Nas entrelinhas, o famoso veja bem, vocês podem estar exagerando.
C
lássico é clássico, e vice e versa.

Pior que um clube ou dirigente não se comprometendo seriamente contra o racismo nos estádios, é um clube ou dirigente com discurso protocolar sobre apuração e responsabilização de envolvidos em casos como este. E foi exatamente o que Miguel fez: abriu um amplo espaço para possíveis dúvidas sobre quem sofreu a violência.

Em quê isso ajuda?
O inimigo, aqui, é essa mentalidade.

Discursos protocolares banalizam os crimes, naturalizam as violências. Diluem na rotina situações que nem deveriam estar acontecendo mais num mundo em que, com um aplicativo, eu converso com uma pessoa que mora do outro lado da Terra. Como a gente consegue construir coisas assim, mas continua acreditando que atuar contra o racismo é assunto apenas de homens e mulheres negras, eu realmente não sei. 

O racismo é estrutural. Ele está no invisível das coisas todas, dos espaços, das relações. Do dito, mas também do não dito. E não seria diferente no mundo do futebol. Com você, as palavras do comentarista de arbitragem Paulo Cesar de Oliveira, no programa Seleção SporTV. Elas ajudam a entender melhor o que é racismo estrutural: “Normalmente, os cargos de chefia, as pessoas que ditam as regras, que fazem os regulamentos, são brancas. Os brancos dificilmente passam por uma coisa como essa”.

Pessoas brancas feito eu, e talvez você aí outro lado que está lendo, se beneficiam socialmente numa sociedade racista. Então não basta, apenas, que sejamos contra o racismo. Precisamos ser antirracistas, é diferente. É se comprometer com gestos concretos para acabar ele em qualquer parte, a todo momento. Entende?

Já passou da hora de todos os clubes de futebol subirem o tom contra o racismo e outras formas de violência, como o sexismo ou homofobia. Especialmente nos estádios, mas também fora deles. Quando que um time inteiro, e não apenas o jogador ou jogadora vítima da violência, vão se retirar do campo contra o racismo? Eu tenho fé que verei.

O futebol não existe para além da sociedade, em um lugar à parte. O futebol existe com a sociedade, na sociedade. Um clube e seus ídolos tem uma responsabilidade social do tamanho das paixões que carregam, e podem, com alguns movimentos, impulsionar debates essenciais na sociedade.

Não é mais possível que jogadores, aqui chamando para a conversa as pessoas brancas, ainda pouco ou nada se posicionem fortemente numa luta antirracista, a compreendendo como é um movimento necessário e urgente para todas e todos nós.

Que todos os clubes do mundo se inspirem no Esporte Clube Bahia, que em novembro do ano passado, lançou o Dedo na Ferida, movimento que questiona a estrutura do próprio clube, convocando dirigentes, jornalistas, torcidas e patrocinadores para entender e combater o racismo institucional e estrutural.

E que o meu time, e o seu, nos encha de orgulho também neste campo.

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O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/02/11/o-glorioso-retorno-de-quem-nunca-esteve-aqui/ http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/02/11/o-glorioso-retorno-de-quem-nunca-esteve-aqui/#respond Tue, 11 Feb 2020 07:00:51 +0000 http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/?p=183 Lembra da quinta série b na época do colégio? Pensa que você é o menino Luís, e pela primeira vez na vida te chamaram para festa de aniversário do garoto mais popular da escola. E você vai, óbvio que você vai. Você sempre esperou por este dia.

E você é bom de papo, troca altas ideias com a galera da sua rua que você trouxe junto, que tem ainda menos grana que você e tal. Galerinha tipo igual, que antes nem aparecia na festa desse tal garoto popular aí, mas agora foi porque né, você chamou, disse pra confiar e é isso, confiaram em você.

Naquelas né.

Mas você desenrola também muito bem com quem tem mais grana. Tipo o dono da festa, os amigos dele – um bando de muitos outros meninos parecidos. Até os pais dessa turma toda curtem como você conta as histórias, gostam que você seja gente fina, gente boa, tem todo um gingado. Pronto, você foi sendo aceito.

Foi?

E aí, ali pelas 22 horas, começa aquela brincadeira clássica de juntar as cadeiras, botar uma música, e quando ela para todo mundo tem que sentar-se. Lembrou? O dono da festa, óbvio, vai controlar o som, escolher as músicas. Ele é o dono da casa, pode fazer tudo. E para o menino Luis, que é você, está tudo bem, está de boas.

Primeira rodada, menino Luís consegue uma cadeira, senta-se. Venceu. Segunda rodada senta-se também. Venceu. Isso tá parecendo bem fácil. Aí chega a terceira rodada e você consegue, aos 44 do segundo tempo, descolar uma cadeira. Quase! Você ali, vencendo todo mundo. Todos os amigos do dono da festa.

O salão até grita “Luís, Luís” de tão bom que você é nessa brincadeira das cadeiras. Tipo, você vai ficando cada vez mais popular entre os donos da festa. Que moleque bom, divertido, desenrola todas as conversas bem. E ainda manda muito bem na brincadeira das cadeiras. Este cara é bom.

“Ei, Luis, você é dos nossos, amigão”, gritam.

Aí a brincadeira está quase acabando, sobrou a última cadeira. É a final. Você e o primo do dono da festa. E aí a música demora uma vida para terminar, demora, demora. Estranho, demorando demais, você pensa. E nunca para. E o menino Luís lá, rodando, rodando, estranhando que a música não acaba de jeito nenhum, mas ali, jogando. Afinal de contas, está entre amigos, não está? Acho que ninguém vai sacanear.

Está?

Não?

E o dono da festa só para a música quando o primo dele está na parte da frente da única cadeira. E vai lá e ganha.

O Menino Luís reclama, diz que foi prejudicado, e todo mundo lá comemorando a vitória do primo do dono da festa. Uns três, quatro, reclamam alto que o menino Luís é chato, mala este daí, não sabe perder democraticamente. É muito de mimimi este Luís, que é você.

E aí você vai falar com os donos da festa, seus amigos até 10 minutos atrás. Não ligam tanto mais para você, parecem não te conhecer. Todo mundo comemorando a vitória do primo do dono da festa. E o menino Luís, que parecia ter tantos amigos, vai percebendo que não é bem assim.

Aí menino Luís fica revoltado, injustiça o que fizeram, entendeu. E meu, ele foi legal com todo mundo, fez um grandioso trabalho de reconciliação dos donos da festa com os amigos dele lá da rua que sempre acharam aquilo tudo uma bela porcaria, e agora estão lá curtindo tudo, de boas, na paz.

E como assim, a galera ainda tem coragem de expulsar justo ele da festa. Ele, cara, garoto sangue bom, mediou as relações tudo ali, tirou o medo de uns dos outros, criou um clima pra todo mundo aproveitar a festinha. Abraçou todo mundo e disse: viu, a casa é grande. Cabe todo mundo.

Corta para o menino Luís já indo embora da festa, quando percebe que a brincadeira voltou a acontecer logo depois que ele saiu, entendeu. E estava todo mundo animadão, festejando. Inclusive uma galera que ele mesmo levou para festa. Tipo, nem sacaram que você, o menino Luís, está indo embora.

O que o menino Luís talvez não tenha entendido, ou achou que talvez fosse pouco importante na hora da animação, é que as pessoas que giram em volta das cadeiras naquela brincadeira vão mudando, mas quem solta a música, quem decide qual música vai tocar, que horas ela vai parar é sempre o dono da festa. O segredo do sucesso está aí.

E se isso não muda, bom, vão mudar com você da brincadeira, né? Para a brincadeira ser justa, para mudar mesmo o jeito de brincar, outras pessoas precisam cuidar do som. A brincadeira sempre vai continuar sendo vencida pelo primo do dono festa enquanto o dono da festa for o responsável por cuidar da música na hora da brincadeira das cadeiras.

Da próxima vez, menino luís, a festa será na nossa rua, com o nosso som, combinado?

PS: o título é emprestado do CD do Emicida. Ouça aqui, é ótimo.

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800 mil mortos em cem dias: como? http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/02/04/800-mil-mortos-em-cem-dias-como/ http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/02/04/800-mil-mortos-em-cem-dias-como/#respond Tue, 04 Feb 2020 07:00:05 +0000 http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/?p=172 Eu fechei a última página de ‘Baratas’, livro da ruandesa Scholastique Mukasonga, e fiquei algum tempo imaginando o que eu gostaria de fazer com tudo que estava sentindo. E não era pouco o que eu estava sentindo.

A partir de um relato autobiográfico, a escritora revisita os sucessivos conflitos entre Tutsis e Hutus ao longo de décadas em seu país. Ela é Tutsi. Faz isso recontando a história da própria família. Em 1994, mais de 800 mil pessoas, em sua maioria Tutsis, foram mortas em menos de cem dias. Mãe, pai, irmãos. Mukasonga perdeu 37 familiares. Perdeu o norte, o chão. Para escapar do genocídio foi para o Burundi, país vizinho. Depois para a França, onde mora até hoje.

Baratas, ou inyenzi, eram como os Tutsis eram chamados.

Muitas perguntas ficaram fortes em mim depois de ler Mukasonga. Me perguntei, por exemplo, se as vidas dessas mais de 800 mil pessoas ganharam da mídia internacional a mesma atenção e cobertura que a morte de um europeu ou norte americano. Não lembro, eu era muito criança.

Me perguntei, por exemplo, se o genocídio ruandês ganhou destaque das páginas dos livros didáticos que eu usei, como outros importantes fatos históricos do século passado. Realmente não me recordo e isso é uma pergunta.

Em um dos trechos, Mukasonga narra o momento em que a ajuda internacional retira do país voluntários estrangeiros quando percebe a escalada da violência. Ela e seus vizinhos, família, percebem que estavam sozinhos em meio àquilo tudo. Eles por eles mesmos. Que precisariam se salvar como podem.

Foi aí que Mukasonga percebeu que a solidariedade pode ser bem seletiva, às vezes.

Escrevi para Mukasonga. As redes sociais encurtam estes caminhos, e era a única coisa que consegui imaginar fazer com o que eu estava sentindo depois do livro. A agradeci por ter buscado memórias tão dolorosas, por ter transformado isso em um documento histórico tão importante e necessário. Ela agradeceu a mensagem. Importante que uma coisa escrita de tão longe, sobre outro longe a mais ainda, chegasse aqui e reverberasse em mim. A ponto de eu escrever e agradecer por tanto.

Este livro não sai de mim.

E ainda tem isso: a gente diz o suficiente quando algo nos toca tão profundamente um tanto assim, como este livro me tocou? Outra pergunta: a gente verbaliza para outro, para a outra, quando algo que ela fez, pensou, produziu, criou, nos deixa perto da nossa melhor humanidade?

Será que não é importante alguém que mexa tanto em nós saber que nosso jeito de existir caminhou sete passos à frente só por causa dela? E caminhou.

Fiquei imaginando depois, ainda feliz por ter merecido alguns minutos de uma história tão importante como a de Mukasonga: o que está acontecendo exatamente agora, aqui no Brasil, que quando nossas netas e netos olharem em perspectiva, ali pelo futuro, se perguntarão: como é que nossos avós não fizeram o impossível para evitar que isso continuasse a acontecer?

Mil coisas me passam pela cabeça.
E pela sua, quantas?

Leia Mukasonga. Leia Baratas.

Leia as entrelinhas.

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‘Like’ é afeto? http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/01/24/like-e-afeto/ http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/01/24/like-e-afeto/#respond Fri, 24 Jan 2020 07:00:19 +0000 http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/?p=152 Outro dia escutei que no mundo de hoje já não parece suficiente existir. Você precisa estar acontecendo. Assim mesmo, no gerúndio. Eu entendi algo como: se você está conectado e não se conta constantemente, para uma grande parte de todo mundo é como se não existisse. Ou fosse deixando de existir em suaves prestações.

Algo como: posto, logo existo.

Uma pista disso que ouvi é: com mais frequência nas últimas semanas, meus amigos e amigas me perguntaram se eu estava bem, se havia acontecido alguma coisa grave. É que eu sumi das redes de repente, e nem foi isso: era Natal, Ano Novo, período de festa e férias. Com tanto mundo e tempo disponível, por qual motivo eu investiria grande parte dele empilhando fotos de como estou feliz aproveitando o descanso? E, assim, pode ser que eu nem esteja feliz, mesmo aproveitando o descanso.

Por que isso acontece?

Dormi com este barulho por semanas até ontem, quando, depois de 22 dias, voltei a colocar alguma coisa nas redes sociais. A pausa nem foi premeditada, só foi acontecida mesmo. Outro foco, outras prioridades nesse meio tempo. Foi estranho: hoje eu acordei buscando alguma história para publicar, e logo, e eu nem havia me levantado ainda.

Uma coisa leva a todas, e estou aqui pensando como as redes sociais constroem essa necessidade em nós, uma lógica de recompensa que nos faz, ao publicar algo, em seguida já querer publicar de novo, e de novo, e de novo. Pelo que andei lendo de especialistas, as recompensas são os “likes”, os comentários, os corações que brotam na tela do celular e outras tantas figurinhas. E que tudo, por lá, é arquitetado para construir em nós, aqui, essa sensação de que estamos sendo recompensadas pelo que publicamos.

Veja, o Facebook, dona do Instagram, conta que o Brasil tem mais de 50 milhões de pessoas usando a plataforma. Só para a nossa cabeça realizar o que isso significa na prática: é maior que a população da Espanha. Ou dos nossos vizinhos e vizinhas Argentina e Colômbia. É muita gente acontecendo ao mesmo tempo. É muita informação, são muitos estímulos por minuto. É tudo no superlativo, muito e muito. Não é de se estranhar que os malefícios sejam tão estratosféricos quanto os benefícios.

A Royal Society For Public Health, uma organização de saúde pública do Reino Unido, publicou em maio do ano passado uma pesquisa com jovens entre 14 e 24 anos sobre uso das redes sociais. Descobriram que o Instagram é a plataforma que mais influencia o sentimento de comunidade e bem-estar – ao mesmo tempo em que é a que mais constrói sensações de ansiedade e solidão. É sobre eles por lá, mas tenho a impressão de que pode funcionar para nós por aqui também.

Pode parecer contraditório aparecer o sentimento de comunidade ao mesmo tempo que o de solidão, mas não é. Estar conectada ou conectado a diversas pessoas de todos os cantos não quer dizer, necessariamente, que eu faça parte de uma comunidade. Para isso acontecer, a gente precisa de espaço, de tempo e de situações para construir afetos e laços entre nós. Precisamos de rituais que nos identifiquem como uma comunidade.

Nem todos os seguidores e seguidoras do Messi, por exemplo, compartilham dos mesmos valores. Eles se conectam pelo Messi. E pode ser que seja apenas isso mesmo, e segue o jogo de existir.

O Sigmund Baumann, aquele senhorzinho simpático que cunhou o termo da liquidez para o tempo, o amor, as relações, e tudo mais, também falou bastante sobre a virtualidade da existência. Vou trazer duas que me recordo de cabeça – eu emprestei o livro para alguém que até agora não me devolveu, não deu para consultar para escrever aqui.

  1. Estamos vivendo o tempo da primeira geração que não terá direito ao esquecimento. Estamos registrando, minuto a minuto, toda a nossa trajetória de vida. No futuro, com 100 anos, vamos conseguir o que as pessoas que vieram antes de nós nunca conseguiram: olhar a vida, imageticamente, em perspectiva. E tem outra:
  2. Somos uma geração que está se acostumando a nunca estar sozinha, a sempre estar disponível para o mundo, on-line para o outro e para a outra. Se lembro bem ele escreveu algo perto disso: se a gente está o tempo todo acontecendo nas redes, em qual momento estamos existindo apenas para nós mesmas? A gente tem cuidado deste tempo, ou só estamos existindo coletivamente, publicamente? O que acontece quando não temos tempo de produzir subjetividades – essencialmente, construir quem somos como sujeitos no mundo?

Pensa assim: nas redes, a gente é algo como aquele compacto das escolas de samba, sabe, que vai ao ar na tarde do dia seguinte ao desfile. Aquilo ali são só os melhores momentos, uma edição do todo. Agora, imagina a gente ser estimulada, diariamente, a ter uma vida perto de algo como os melhores momentos do outro que a gente acompanha? Humanamente impossível.

São muitas coisas, minha cabeça deu um nó.

O André Biazoti, amigo querido e uma pessoa que o mundo inteiro merece conhecer, compartilhou um livro chamado “No Enxame“, de Byung-Chul Han. Um dos trechos diz assim:

“Arrastamos-nos atrás da mídia digital, que, aquém da decisão consciente, transforma decisivamente nosso comportamento, nossa percepção, nossa sensação, nosso pensamento, nossa vida em conjunto. Embriagamos-nos hoje em dia da mídia digital, sem que possamos avaliar inteiramente as consequências dessa embriaguez”.

E mais isso:

“Uma outra temporalidade caracteriza a carta ao leitor. Enquanto se redige esforçadamente a mão ou com a máquina de escrever, a exaltação imediata já desvaneceu. A comunicação digital, em contrapartida, torna uma descarga de afetos possível. Já por conta de sua temporalidade, ela transporta mais afetos do que a comunicação analógica”.

É bom parar e pensar sobre esses invisíveis, não é? Mas eles mexem um tanto com a nossa imaginação, também. A ideia aqui não é transformar as plataformas em vilãs. A gente ama encontrar, semanalmente, um novo malvado favorito para depositar responsabilidades e consciências que são nossas. Aqui, a ideia é conversar sobre quem detém o poder dessa relação: a rede social ou nós?

Se não fossem essas plataformas, se não fosse o Instagram, eu nunca conseguiria enxergar o mundo pelos olhos do André Gravatá, nem conversar com a Amanda Ramalho, nem me inspirar com tudo que o Jota Marques é, existindo. Menos ainda trocaria dicas de livros inspiradores com a Jéssica Gonçalves ou com a Aline Santos, como se estivéssemos uma ao lado da outra, no pôr do sol que a gente só assistiu, nem tirou o celular do bolso.

O Instagram, pra mim, é isso: eu, sendo apenas um, querendo ser várias numa vida só, não vai dar tempo, pegando emprestado os olhos de quem eu sigo para acompanhar o mundo. Ao fim do dia, eu sou: o que vivi no Campo Limpo, o que só a Renata enxergou nas ruas de Lisboa, os lugares que o Raul visitou no Rio de Janeiro. O coração no caminho, na calçada, que só a Sandra viu, em Poços de Caldas.

Escrevi mais para pensar em voz alta em qual momento, em meio a isso tudo, eu não perco um pôr do sol por estar publicando, naquele momento, o mesmo sol se pondo. Existir, acontecer. Ou como faz para que o “like” seja apenas atalho para um abraço forte bem em frente ao Cine Odeon, já que a vida continua a ser isso de olhar nos olhos. Continua, né?

Ah, você esperava um conclusão?
Era só uma conversa, mesmo.

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Como o ‘Esquenta’ me fez pensar sobre o Brasil na Virada de Ano http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/01/10/comooesquentamefezpensarsobre/ http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/01/10/comooesquentamefezpensarsobre/#respond Fri, 10 Jan 2020 07:00:03 +0000 http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/?p=135 Meio sem querer, que é como a vida acontece quando estamos em descansos como o de fim de ano, eu encontrei uma entrevista que a Regina Casé deu ao Conversa com o Bial, da TV Globo. No programa, que foi ao ar em abril passado, a apresentadora e atriz falou, entre outras coisas, sobre o Esquenta, programa que ela apresentou por cinco temporadas na emissora.

Caso não se lembre, afinal de contas, 2011, estreia do programa, parece que aconteceu há uns trinta anos, o Esquenta era uma grande festa em que várias pessoas, tribos e assuntos se misturavam ao som de muito samba, pagode, forró, uns shows de mágica no meio, papos sobre educação, saúde, descriminalização das drogas, e tudo mais que se possa imaginar. Tudo junto e ao mesmo tempo. O Esquenta era algo como uma laje, com câmeras.

Eu assisti poucas vezes, confesso. O horário, meio tarde de domingo, era pouco convidativo para quem estava começando a juventude e tinha amigos e amigas morando na casa ao lado que amavam futebol . Mas vi, vez ou outra. Mais que acompanhar, eu entendia a proposta do programa, que é a de colocar pessoas comuns para protagonizar a TV.

Para mim, o Esquenta não falava sobre, e com, todas as periferias e favelas do Brasil. Mas, é inegável, o programa construía identificação e pertencimento nas pessoas. E era perceptível que isso funcionava já que, vez ou outra, minhas vizinhas e vizinhos recontavam as histórias que assistiam por lá pelo restante da semana nas conversas de portão e de calçada.

É neste ponto que volto à entrevista da Regina. Em dado momento, Bial pergunta a ela se um dos motivos de o programa ter acabado foi uma mudança de clima pela qual o Brasil passou nos últimos anos, e a apresentadora diz que sim. Que a própria equipe passou a sentir que a atmosfera estava mudando. Que aquele clima de celebração, de festa pelo encontro entre os diferentes, estava dando lugar a algo contrário disso. Daqui em diante, sou eu: que de alguma maneira, a alegria estava saindo de cena, chegavam novos e confusos tempos e sentimentos.

Fiquei o descanso todo pensando essa entrevista.

Eu nem sei se é isso mesmo, eu não sou crítico de TV. Também sei que hoje, olhando em perspectiva, com a cabeça e o coração que tenho agora, me pergunto se este ou aquele era o melhor jeito de apresentar um morador ou moradora de periferia e favela. Meu texto, aqui, não é sobre este lado dessa história. Pessoas mais qualificadas que eu podem fazer essas reflexões.

O que me fez arrastar esse assunto até aqui foi a imagem que brotou da conversa entre Bial e Regina, que tenho a impressão, passou despercebido de uma multidão de nós: um programa de TV conseguiu detectar que estávamos saindo de um tempo de celebração, palavras da Regina, para um período de ódio declarado a qualquer pessoa que seja diferente do que um grupo considera o correto, o padrão. A norma.

E assim, de verdade, eu inclusive acho que nunca tivemos um acolhimento do todo que nós somos. O Brasil sempre foi um país violento. Extremamente violento. A diferença é que, em algum momento nos últimos anos, o ódio passou a se sentir autorizado e legítimo a botar a cara no sol, perdeu o medo de se expor publicamente. E a pergunta que fica para mim é: por quê?

O que foi que aconteceu neste caminho para chegarmos ao ponto que estamos hoje: essa raiva em cada comentário, de cada rede social. Essa vontade de alguns de que outros, não apenas não tenham espaço para existir, mas de que, de fato, seria melhor se nem existissem.

Aos raivosos, odiosos. Aos que se acreditam o centro, a norma, o modelo e o caminho: não tem volta, viu. O palco da existência é direito de todo mundo.

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Mais uma das muitas listas para o ano novo http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/01/03/mais-uma-das-muitas-listas-para-o-ano-novo/ http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2020/01/03/mais-uma-das-muitas-listas-para-o-ano-novo/#respond Fri, 03 Jan 2020 07:00:03 +0000 http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/?p=115 Todos os anos, ali perto das 11 da noite do dia 31 de dezembro, eu faço uma lista de vontades para o ano que vai nascer. Dessa vez eu fiz duas. Uma delas vou compartilhar com você. Que o ano, além de coragem, nos peça sorrisos de alegria por estarmos sendo melhores que fomos no ano passado.

  1. Não perca tempo respondendo robôs na internet
    Uma parte considerável das conversas apaixonadas sobre política que travamos nas redes antisociais são com robôs. Eles são programados para responder aos temas mais urgentes e polêmicos das redes. E lá vamos nós, sem perceber as pistas, ficar horas e horas discutindo sem fim com perfis que só querem provocar o que conseguem: tumultuar os diálogos, embaralhar a verdade, fazer uma parte de nós perder a paciência e a paz. Veja como identificar bots e, este ano, não dê palco para eles. Apenas clique em denunciar.
  2. Faça uma lista reserva para os desejos de ano novo
    Depois, guarde no mesmo lugar dos boletos prestes a vencer. As contas nunca perdem a gente de vista, vai por mim.
  3. Invista tempo para comentar notícias que são importantes para você
    A Bárbara Forte, repórter de Ecoa, me ensinou uma das coisas mais importantes do ano que passou. Ela me disse que, em geral, o que percebe é que quem gosta de algum texto o compartilha em seus grupos. Quem não gosta, seja do texto, do tema ou dos personagens, deixa comentários. Muitos comentários. E assim brotam as falsas maiorias que a internet constrói em torno de algum assunto. Neste ano novo, reconheça e elogie com comentários coisas que mexam positivamente com você. Incentive as pessoas a continuarem fazendo aquilo que é importante para você.
  4. Faça amor
    Mas se o dia pedir, trepe.
  5. Não converse com seus amigos e amigas apenas sobre política
    Fale sobre como era jogar Mortal Kombat quando um dos botões do Mega Drive parava de funcionar misteriosamente numa quinta-feira chuvosa à tarde. Ou sobre como foi confusa a nossa primeira declaração de amor aos 16.  E a gente nem sabia direito se aquilo era febre ou só uma paixão devastadora que roubava até os sentidos. Se tem uma coisa que o ódio faz bem é roubar nosso tempo de produção de afetos e planos. Quando vemos, lá se foi uma noite inteira falando deles. E nós? Quando vamos falar de nós? Em 2020, fale de você, de nós.
  6. Não se orgulhe de estar o tempo todo ocupado
    Algumas de nós sempre remando contra o tempo, deixando boa parte dele na estação de trem, no ponto de ônibus. Não é uma escolha. Para a vida, o que sobrar, e se sobrar. Em algum momento, a gente passa a sentir algo como um orgulho, ou naturaliza, de o tempo todo estar ocupado, acontecendo coisas no mundo. Tudo que querem é que a gente se sinta desconfortável com a meia hora de sono e preguiça vendo Sessão da Tarde. Que a gente não se enxergue gente quando não está produzindo. Em 2020, reserve tempos para o seu descanso sem medo de julgamentos.
  7. Respeite as minas, as manas e as monas
    Sempre.
  8. Concorde que podemos discordar em tudo e mesmo assim permanecer conectadas
    Não há diálogo com o ódio, com os antidemocráticos, com os violentos de coração e de discurso. Mas com quem apenas discorda da gente podem existir conversas que nos façam melhores. Para este ano novo que encontre pessoas dispostas a nos contar de onde estão enxergando o mundo. E, talvez, quem sabe, vai que, descobrir que talvez não estivesse tão certos assim sobre este ou aquele assunto.
  9. Assista filmes de amolecer o coração
    Musculatura emocional é tão importante quanto saber as palavras certas para as conversas difíceis que o dia a dia pede.Em 2020, equalize os filmes assistidos com as lutas que compra.
  10. Programe o Gerenciador de Tempo do Instagram
    Clique nas três linhas no canto superior direito do seu perfil. Depois, vá em atividade. Lá procure por “Defina um Lembrete Diário” e escolha por quanto tempo você quer ficar navegando. Pronto. Toda vez que atingir aquele tempo o celular irá te avisar. Faz bem para a existência. Ou de repente nem percebemos e já estamos acreditando que todo mundo tem uma vida divertida e intensa e feliz, menos a gente. A gente só está vendo filmes e é domingo à tarde.
  11. Faça perguntas que deem a chance das pessoas ao seu redor existirem
    Onde mesmo que você nasceu? Qual é o seu livro predileto da Coleção Vagalume? A Carminha é a maior vilã que tivemos nas novelas mesmo? Queria te escutar mais sobre isso que você acabou de falar, sabe?
  12. Não acredite em listas
    A vida é fluxo.
  13. Não se orgulhe de sempre ter a última palavra em conversas e discussões
    Às vezes a outra pessoa apenas desistiu do diálogo porque eu não a deixo terminar seu raciocínio. Ou ela percebeu que pouco presto atenção ao que ela diz, só esperando minha vez de continuar falando de onde parei. Para este ano novo, escutar com atenção, falar com intenção.
  14. Beba água
    Ela mantém a pele e as unhas bonitas, evita inchaço e retenção de líquidos. Evita também dores de cabeça e mau humor e previne problemas nos rins. Além de tudo, é uma delícia, especialmente no verão.
  15. Quando o garçom do seu bar preferido disser que precisa encerrar, acredite
    Ele ou ela geralmente não moram no bairro onde trabalham e não diriam isso se já não fosse bem tarde. Uma das muitas maneiras de transformar o mundo positivamente é não pedir a saideira ou reclamar do horário de encerramento da cozinha quando você pode chegar na sua casa em menos de 10 minutos e o trabalhador daquele lugar, não. Em 2020, cuide melhor de quem cuida da sua diversão e dos seus bons momentos de alegria.
  16. Leia escritores e escritoras negras e LGBTQI+
    Você pode começar conhecendo a Padê Editorial, por exemplo.
  17. Não deixe a cidade te acostumar com a falta de horizontes
    A rotina é especialista em adormecer os olhos. Sem horizontes, a gente só pensa o que enxerga um palmo a frente. Um 2020 com mais lugares para se ver a chuva chovendo do outro lado da montanha, e vindo. Ou por um sol nascendo dentro dos olhos da pessoa que a gente mais amou na última semana.
  18. Chame o seu grupo mais animado do WhatsApp para ver a terceira lua cheia de 2020
    Depois, crie um grupo e as chame para ver todas as outras do ano, na sua laje. Combinem que o celular ficará na sala.
  19. Não acredite na felicidade constante das fotos nas redes sociais
    Aproveite 2020 para não contar em voz alta, o tempo todo, os verdadeiros motivos desse seu sorriso frouxo em plena segunda-feira de trabalho e chuva, desde a madrugada. A inveja tem sono leve.
  20. Não se sinta culpada por não saber o que fazer da vida
    Está todo mundo meio perdido, mesmo.

Pode chegar, 2020.

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Massacre de Paraisópolis: precisamos de mais vozes por aqui http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2019/12/06/vamosprecisardemaisvozes/ http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2019/12/06/vamosprecisardemaisvozes/#respond Fri, 06 Dec 2019 12:29:21 +0000 http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/?p=101 Por muitos motivos, as periferias e favelas passaram a ter uma atenção especial dos investidores sociais nos últimos anos. Mesmo que ainda distante da necessidade que as organizações sociais, coletivos e outras formas de trabalho têm para conseguirem estruturar e qualificar o que historicamente já fazem nos territórios, é perceptível que estamos, hoje, melhores que no começo dos anos 2000, por exemplo. 

O campo social compreendeu, enfim, que precisa entregar recursos financeiros, conhecimento técnico, ampliar rede, melhorar as condições de trabalho para quem está atuando na ponta. Ou seja, no dia a dia, lá na rua de chão e barro. São essas pessoas e iniciativas que estão, a partir de microrevoluções locais, transformando a cultura das quebradas, construindo um projeto de país a partir das bordas, das margens.

Hoje existem mais fundos, alianças intersetoriais, editais, políticas públicas, que, aliás, aos poucos estão sendo minadas em todo pedaço do país, e muitas outras formas de apoio, técnico e financeiro, às juventudes transformadoras dos territórios populares. Importante destacar: em alguns lugares existem mais oportunidades de apoio, em outros, bem menos, e precisamos construir soluções para equilibrar isso a médio e longo prazo pelo país.

Mas a transformação social que almejamos não se faz apenas com recursos financeiros e melhoria técnica e institucional das iniciativas sociais. Para construir transformações nas estruturas da sociedade e do Estado, nós precisamos de mobilização social e pressão política. E vamos precisar de todo mundo.

Foi essa pressão política que senti falta ao longo da semana já marcada historicamente pelo Massacre de Paraisópolis.

Numa sociedade em que a taxa de homicídios de jovens negros, com idade entre 15 e 29 anos de idade, é três vezes maior que a de brancos, manter as juventudes pobre, preta e periférica vivas, me questiono, deveria ser um pacto de todo o campo social e ter, de nós, absoluto senso de urgência. Ser uma conversa que permeie todas as organizações, iniciativas, projetos. Eventos.

Estão matando o futuro deste país, diariamente, de muitas formas. O futuro diverso que vai construir a sociedade diversa que a gente precisa e merece ter, e poucas organizações para além do Movimento Negro, de direitos humanos e os coletivos das periferias e favelas, parecem inteiramente comprometidas em denunciar e lutar incansavelmente contra esse genocídio em curso.

Dos 65,6 mil homicídios ocorridos em 2017, 75,5% deles foram contra negros. Entre 2007 e 2017, o assassinato de homens e mulheres negras aumentou dez vezes mais que a de não negros. Estes são Dados do Atlas da Violência, publicação do IPEA.

Dez vezes.

Isso não é motivo suficiente para que todas e todos nós coloquemos a luta antirracista no coração do trabalho que desenvolvemos, não importando ele se for de meio ambiente, educação, alimentação ou antroposofia?

Na última quarta-feira, 4, a Coalizão Negra por Direitos chamou a sociedade para um ato público denunciando o Massacre de Paraisópolis e, mais uma vez, apontou o caráter racista e classista de mortes como essas. Onde estavam todas as fundações e institutos que trabalham com juventudes periféricas e de favelas?

Onde estavam todas as iniciativas que impulsionam projetos e ideias nas quebradas Brasil afora? 

As startups que contam que vão mudar o futuro das favelas e de seus moradores e moradoras?

Onde estavam os investidores sociais, as aceleradoras, as áreas de responsabilidade social das grandes empresas? Os programas de empreendedorismo social. Os Festivais de inovação e impacto?

Que não fosse presencialmente, mas onde foram parar seus posicionamentos? As notas públicas, artigos nas redes sociais, nos sites institucionais? Uma live, um stories dizendo que para ter futuro vamos precisar termos pessoas para construí-lo e habitá-lo? E elas estão sendo mortas, dia sim, dia também?

Se essas iniciativas não responderem a este chamado em tempo, se não se juntarem, para ontem, a quem sempre está na linha de frente do choro e do grito contra o que vem acontecendo com as juventudes das periferias e favelas, em pouco tempo não vão existir jovens para elas apoiarem, reconhecerem com prêmios, para elas convidarem para palestras e rodas de conversa.

Estarão todas e todos mortos.

Em 14 de dezembro tem outro ato marcado, agora em Paraisópolis.
Ainda há tempo.
Ainda.

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Uma das cinco mil explicações para a política http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2019/11/29/uma-das-cinco-mil-explicacoes-para-a-politica/ http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2019/11/29/uma-das-cinco-mil-explicacoes-para-a-politica/#respond Fri, 29 Nov 2019 07:00:35 +0000 http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/?p=90 Quando eu era bem criança, o bairro onde morava passou por uma grande transformação. Eu interpretei tudo aquilo como as crianças entendem o mundo: este lugar está ficando adulto, igual eu vou ficar um dia.

Na cabeça de uma criança, ser adulto é ter controle sobre as coisas, consciência plena a respeito do que fazer e se está fazendo pela vida. Depois a gente cresce e descobre que ser adulto é tão confuso quanto uma declaração de amor aos 16 anos, como li outro dia num poste.

A Nova Pampulha, uma das periferias da região Metropolitana de Belo Horizonte, me apresentou a política que alcança o mundo real das pessoas. Foi no dia em que a luz elétrica chegou por lá, e mudou tudo a nossa volta.

Eu restaurei essa memória em um podcast para falar que política não é cultivo rotineiro do ódio, como podemos pensar em tempos como agora. Para mim, política sempre foi o exercício contínuo da construção de horizontes comuns.  Com entrevistas com Gisele Brito, Leonardo Nunes e Mariana Belmont.

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O Brasil que vem aí vai surpreender quem ama o status quo http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2019/11/22/o-brasil-que-vem-ai-vai-surpreender-quem-ama-o-status-quo/ http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/2019/11/22/o-brasil-que-vem-ai-vai-surpreender-quem-ama-o-status-quo/#respond Fri, 22 Nov 2019 12:11:35 +0000 http://tonymarlon.blogosfera.uol.com.br/?p=76 Se quiser um sopro do futuro que está sendo gestado para o Brasil, eu recomendo que vá a um Slam. E se ainda não souber o que é um Slam, que você invista 9 minutos e 49 segundos neste Tedx da Gabz. Aqui tem pistas sobre o que é, mas tem mais sobre o por quê. É neste porque que se aninhou tem uns meses a minha esperança de que… vai passar.

Slam é uma competição de poesia, geralmente com produções originais, em que pessoas da plateia são escolhidas como juradas, ali, na hora, dando notas ao fim de cada apresentação. As vencedoras vão passando de fase até chegarmos à campeã do dia, ou da noite. Uma parte de toda a história é essa.

A outra é o que acontece com todas e todos que assistem, diante dos seus olhos, a poesia descendo do pedestal que historicamente a botaram, como disse dia desses Sérgio Vaz, da Cooperifa. É que a poesia, quando é percebida como hábito de olhar o mundo, ou seja, mora ali em qualquer pessoa que está num ônibus cheio por aí, e não um destino de meia dúzia de predestinados, então, as coisas, todas as coisas, mudam de lugar.

É quando a Adriana, estudante do ensino médio e que trabalha no mercado para completar a renda da família, se reconhece tão poeta quanto aquele homem que já morreu tem um par de anos e que ela viu no livro de português, hoje mais cedo, na escola.

É quando a ficha cai: somos aquelas e aqueles por quem sempre esperamos, sabe.

Dia desses, era noite na Praça Morumbizinho, em São Miguel Paulista, uma das periferias da zona leste de São Paulo, quando acontecia a final nacional do Slam Interescolar 2019. A competição, organizada pelo Slam da Guilhermina em parceria com o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, juntou estudantes de diversas cidades brasileiras.

Imagine, aqui, para onde voa a imaginação coletiva num encontro assim. Para onde sopram as ideias, quais sínteses de país brotam de cada nova poesia declamada lá na frente, e não lá no alto. Quais dores são elaboradas e compreendidas com outras lentes, que só o encontro presencial pode oferecer à vida. Que só quem fala a linguagem do que vivo e vejo pode transformar em rima. E ainda tem aquele abraço que vai acontecendo aqui e ali, produzindo afetos, criando comunidades, encurtando distância entre os iguais e os diferentes.

Parindo novas possibilidades de futuro e de país. Possibilidades mais diversas, mais plurais, como o mundo de fato é.

Quando era criança, eu me perguntava como tantas pessoas de projeção nacional, importantes para os rumos do país, haviam se tornado amigas décadas antes de serem quem haviam se tornado. Via as fotos delas juntas, novinhas, ficava pensando nisso. Hoje eu entendo que elas se esbarraram pela vida como eu vi uma multidão de nós se esbarrando em São Miguel Paulista, naquela noite. Em momentos como aquele que foram construindo a si mesmas, criando visões comuns sobre este ou aquele assunto, fazendo brotar as ideias que nos trouxeram aos dias de hoje.

Se isso já foi assim uma vez, nada impede que seja assim agora.

Eu não tenho dúvidas de que estes espaços estão gestando o futuro do país. O futuro que a diversidade que nós somos, merece. O futuro que não pede autorização para quem sempre se enxergou como a norma, como universal. O dono da última palavra.

Que é de lá que virá uma das muitas presidentes negras que ainda teremos por aqui, e esse dia vai chegar.

E que é de lá que virá a literatura que será estudada um dia nos livros de português. Os mesmos livros de português em que a Adriana nunca se viu. Mas que ali, bem ali no futuro, serão escritos, produzidos, ilustrados e protagonizados, também, por pessoas feito ela.

Quando este futuro chegar, e vai, talvez a gente tenha alguma chance de ser o Brasil do presente.

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